12 de Outubro: A Sabedoria da Infância entre o Pórtico e o Altar

por Professor Prezotto
 
Num dia dedicado às crianças, a espontaneidade e o olhar surpreso diante do mundo tomam conta dos ambientes. Mais do que uma data comercial, este momento pode nos convidar a uma reflexão profunda sobre o que significa habitar o presente com inteireza. Duas grandes tradições de pensamento, aparentemente distantes, nos oferecem insights surpreendentes sobre isso: o Estoicismo da Grécia e Roma antigas e o convite feito por Jesus Cristo.

Os filósofos estoicos, como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio, pregavam a importância de viver em acordo com a natureza e a razão. Eles ensinavam que a felicidade não está nos eventos externos, que fogem ao nosso controle, mas na nossa capacidade de aceitar o curso da vida com serenidade e de focar apenas no que depende de nossa vontade. Uma criança, em seu estado mais puro, não carrega o peso excessivo do passado nem a ansiedade pelo futuro. Ela está totalmente imersa no “agora”, seja numa brincadeira, seja num momento de choro. Essa capacidade de presença é um espelho do que os estoicos chamavam de ataraxia – a paz de espírito que surge quando não nos deixamos perturbar por julgamentos desnecessários. A criança, em sua simplicidade, age de acordo com sua natureza, sem as complexas camadas do ego adulto.

É precisamente essa condição de entrega e autenticidade que ressoa no conhecido ensinamento de Jesus: “Deixai vir a mim as criancinhas, pois delas é o Reino dos Céus.” Essa fala, registrada no Evangelho, vai além de uma simples valorização da inocência. Ela aponta para uma disposição interior fundamental: a confiança absoluta, a falta de pretensão e a receptividade de quem não acredita ser autossuficiente. O “Reino dos Céus”, na interpretação de muitos estudiosos, não é um lugar distante, mas um estado de consciência e graça acessível àqueles que se aproximam da vida com um coração aberto e desarmado, tal como uma criança confia em quem a ama.

Assim, no mesmo dia em que presentearmos os pequenos, podemos nos presentear com uma lição dupla. Do Pórtico estoico, aprendemos a cultivar a resiliência e a clareza mental, aceitando o fluxo da vida sem perder nosso centro. Do Altar cristão, recebemos o chamado à humildade e à confiança, lembrando que a verdadeira grandeza muitas vezes reside na capacidade de se fazer pequeno, de se maravilhar e de confiar.

Neste 12 de outubro, que a alegria contagiante das crianças nos lembre de voltar ao essencial. Que possamos, mesmo com as responsabilidades da vida adulta, recuperar um pouco dessa sabedoria primordial: a de viver cada momento com profundidade, de confiar na ordem natural das coisas (o Logos dos estoicos) e de abrir o coração com a fé simples de que há um sentido maior nos sustentando.

Referências Bibliográficas

ARAÚJO, M. C. Estoicismo: Uma Filosofia de Vida para Tempos Difíceis. São Paulo: Editora Filosófica, 2020.
BÍBLIA SAGRADA. Evangelho de Mateus, 19:14. Tradução da CNBB. 18. ed. São Paulo: Ave-Maria, 2019.
HADOT, P. A Cidadela Interior: Introdução às “Meditações” de Marco Aurélio. São Paulo: É Realizações, 2020.
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